ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR NÃO SE SUBMETEM AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

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Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às Associações de Proteção Veicular nas demandas judiciais propostas por seus Associados, devendo, na hipótese, incidir as normas previstas no Código Civil.

Esse é o entendimento vigente no Tribunal de Justiça de Santa Catarina que reconhece a natureza jurídica da entidade, constituída sob o manto do Código Civil e que não possui objetivo de lucro ou finalidade econômica.

Desta forma, os precedentes que assim concluem são os seguintes:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERIU A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECURSO DOS AUTORES.
ALEGADO DESARCERTO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. INSUBSISTÊNCIA. ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO VEICULAR (CC, ART. 53). AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. AGRAVADA QUE NÃO DISPONIBILIZA SERVIÇO E/OU PRODUTO AO MERCADO DE CONSUMO. CONCEITOS DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR NÃO CONFIGURADOS. DECISÃO MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5015307-94.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 12-07-2022).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA C/C LUCROS CESSANTES. DECISÃO AGRAVADA QUE INVERTEU O ÔNUS DA PROVA. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. PROTEÇÃO VEICULAR. SISTEMA MUTUALISTA. EXEGESE DO ART. 53 DO CÓDIGO CIVIL. RECORRENTE QUE NÃO SE ENQUADRA COMO PRESTADORA DE SERVIÇOS DE SEGURO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA CONSUMIDOR NA HIPÓTESE, E, POR VIA DE CONSEQUÊNCIA, INCABIMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5055568-38.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 26-05-2022).

 

“APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS. AÇÃO DE COBRANÇA. PROGRAMA DE PROTEÇÃO VEICULAR. VEÍCULO E REBOQUE INCENDIADOS. PLEITO INDENIZATÓRIO. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. INAPLICABILIDADE, NA ESPÉCIE, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ACIONADA ASSOCIAÇÃO. SISTEMA MUTUALISTA. INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS À LUZ DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES. RECOMPOSIÇÃO DO PATRIMÔNIO DO ASSOCIADO MEDIANTE SUBSTITUIÇÃO DO VEÍCULO SINISTRADO. PREVISÃO EXPRESSA QUANTO À IMPOSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO EM ESPÉCIE. HIGIDEZ DA PREVISÃO CONTRATUAL. ALEGADO DESCONHECIMENTO DO AUTOR/ASSOCIADO A RESPEITO DA CLÁUSULA EXCLUDENTE. IRRELEVÂNCIA. CLÁUSULA VÁLIDA E APLICÁVEL. FUNÇÃO SOCIAL. SENTENÇA MANTIDA POR FUNDAMENTO DIVERSO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJSC, Apelação n. 5015506-07.2019.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jairo Fernandes Gonçalves, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 13-07-2021).

As conclusões lançadas no presente estudo são subsidiadas pelo voto do E. Desembargador Saul Steil nos autos do Agravo de Instrumento 5038886-71.2022.8.24.0000/SC.

Nos termos do art. 2º do CDC, o conceito de consumidor é tido como a pessoa, física ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço, na condição de destinatário final. A legislação de regência estabelece, ainda, que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade de prestação de serviço, entendido este como a atividade no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza securitária, excetuadas tão somente aquelas decorrentes das relações trabalhistas (art. 3º do CDC).

 

Na hipótese em exame, trata-se de relação estabelecida entre associação de proteção veicular (agravada) e associado (agravante), sendo a primeira uma entidade sem fins lucrativos,  “criada para organizar e promover todos os tipos de benefícios que possam ser oferecidos às pessoas físicas e jurídicas, proprietários ou não de veículos automotores, particulares e comerciais, prestando-lhes assistência por meios próprios ou através dos seus parceiros” (Evento 21, Anexo 2 – 1G).

 

Nota-se que a recorrida não se enquadra no conceito de companhia de seguros, nem como fornecedora de produtos ou serviços, pois é, de fato, uma entidade associativa, sem fins lucrativos, que disponibiliza aos seus associados um sistema de assistência mútua.

 

Diga-se que, ao revés do que sustentou o agravante em seus embargos de declaração (Evento 12 – 2G), não há nenhum elemento contratual estabelecido entre as partes que possa sugerir que, embora revestida da forma de associação, a agravada atua como verdadeira seguradora no âmbito do mercado de consumo.

 

A uma, porque, como se verá mais adiante, o agravante não contratou a agravada como consumidor, mas passou a integrar seus quadros como associado, advindo daí direitos e responsabilidades naturais à forma associativa.

 

E, a duas, porque não há exigência de pagamento de prêmio, tampouco de franquia. A própria cláusula 53 do Regimento Interno da agravada, coligida pelo agravante nos aclaratórios (Evento 12, Anexo 1, p. 2 – 2G), demonstra que o valor exigido dos associados é a sua “quota de participação” (idem), a qual, ademais, é “calculada conforme porcentagem de referência FIPE do veículo cadastrado, sendo esta porcentagem de referência disposta no Termo de Filiação, apresentada ao associado no ato de filiação” (idem).

 

O procedimento, portanto, é inteiramente diverso daquele aplicado por seguradoras, que calculam os prêmios e franquias exigidos dos seus consumidores a partir de métricas atuariais, que envolvem o efetivo conhecimento do risco assumido e de suas chances de incidência com base em estudos estatísticos e no perfil de cada contratante.

 

Ademais, diferentemente do que sucede com as seguradoras, o valor a ser pago pela associação no caso de reparação de prejuízo material não é instituído na forma de indenização, mas de simples rateio entre os associados, na forma do art. 36 do Regimento Interno:

 

“Artigo 36 – O benefício de repartição de prejuízos materiais ou apenas BRPM funciona com o agrupamento de pessoas físicas e/ou jurídicas que optarem por aderir a este benefício, com o intuito de ratear as despesas advindas de risco futuro, em um contexto social, voltado à ajuda mútua entre associados deste grupo, sem intenção lucrativa” (Evento 21, Anexo 3, p. 14 – 1G; destaquei).

 

De outra ponta, o associado tampouco se enquadra no conceito de consumidor, pois ocupa uma posição em que, ao mesmo tempo, pode usufruir de benefícios e ser responsável pela manutenção da associação, bem como pelo rateio dos prejuízos sofridos pelos membros.

 

Outrossim, como dito, e diversamente do que ocorre nas relações de consumo, as associações são regidas pelo princípio da igualdade de tratamento nas relações com seus associados, sendo certo que os membros têm direito a tomar parte nas assembleias gerais (art. 16 do Estatuto – Evento 21, Anexo 2 – 1G), exercer controle sobre as decisões tomadas pelos administradores e deliberar sobre as regras fixadas no Estatuto.

 

Dessarte, “diferentemente do que ocorreria no caso de cobertura securitária prestada por seguradora, onde o pagamento seria efetivado por seu segurado ou, hipoteticamente, pela associação a fim de beneficiar seus componentes com a intitulada “indenização”, não se constata, no auxílio em testilha, o conceito de produto nos moldes como é oferecido ao mercado de consumo. O que se vislumbra, no caso em apreço, é tão somente a prestação de uma contribuição pelos associados, a fim de garantir, perante à associação, uma série de modalidades que visam beneficiá-los, repiso, nos termos e valores por eles mesmos instituídos. Aliás, de forma completamente diversa da relação compreendida entre prestador de serviços e destinatário final, onde há manifesta disparidade entre as partes, aqui se está diante, unicamente, de uma entidade, gizo, sem fins lucrativos, a qual é criada, composta e usufruída pelos próprios associados que a mantém” (Agravo de Instrumento n. 4007964-40.2017.8.24.0000, rel. Des. André Dacol, j. 10.04.2018).

 

Nessa ordem de ideias, forçoso reconhecer que a relação estabelecida entre as partes não se amolda àquelas protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo, a princípio, submeter-se às normas gerais de Direito Civil.

 

CONCLUSÕES

Com efeito, o afastamento das normas consumeristas na interpretação das relações com seus associados em juízo, configuram relevante benefício às associações nesta seara, porquanto, afastam-se as facilidades estipuladas em favor do consumidor, tal como, a prerrogativa de foro, a inversão do ônus da prova e interpretação dos termos do contrato de forma mais favorável ao associado/consumidor.

Imprescindível, portanto, para que prevaleça a utilização do Código Civil na interpretação das cláusulas contratuais (Estatuto e Regulamentos) que a Associação demonstre que suas atividades são exercidas em conformidade com sua natureza jurídica, dando publicidade aos atos gerenciais, demonstrações contábeis indicando ausência de lucro e viabilizando meios a permitir que os associados sejam comunicados e autorizados a participarem das assembleias e decisões.

Portanto, a revisão e readequação dos procedimentos gerenciais adotados pela Associação constituem-se em providências inarredáveis e urgentes, cujo benefício, nos termos dos precedentes citados, constituem-se em elementos capazes de assegurar a proteção e preservação do patrimônio da entidade se e quando eventualmente demandada em juízo ou submetida a ações fiscalizatórias.

 

Wander Barbosa

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