Agência Nacional de Energia Elétrica “ANEEL”, não pode pedir certidão negativa de empresa em recuperação.

Por Dr. Wander Barbosa em

Inicialmente é sabido esclarecer, que a jurisprudência do STJ, consolidou o entendimento no sentido de dispensar a apresentação de CNDs para o deferimento de recuperação judicial de empresas, vem causando diversas distorções no instituto criado pela Lei 11.101/2005.

A recuperação judicial tem como condição para a sua concessão à apresentação pela recuperanda (empresa que se encontra em recuperação), de certidão negativa de débitos.

Não obstante tal situação, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em REsp 1.187.404⁄MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 21⁄08⁄2013, abrandou a aplicação desse dispositivo reconhecendo que a falta de tais certidões não constitui óbice à concessão da recuperação. Diante disto, a referida jurisprudência vem gerando um aumento considerável no número de pedidos de recuperação judicial, como forma de planejamento tributário das empresas em débito com o Fisco.

Ao assim decidir, o STJ foi de encontro, como dito, às disposições do art. 191-A do CTN e artigos 57 e 58 da Lei 11.101/2005, in verbis:

Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.

Nesta esteira, pode se observar que também violou, pelas vias transversas, os dispositivos legais que fundamentam a preferência do crédito público sobre o privado, quais sejam, artigos 186 e 187 do CTN e artigo 29 da Lei 6.830/80LEF”, vejamos:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho.

Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.

Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:

I – União;

II – Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;

III – Municípios, conjuntamente e pró rata.

Art. 29 – A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.

Parágrafo Único – O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:

I – União e suas autarquias;

II – Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata;

III – Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.

De fato, indevidamente, nas recuperações judiciais, a pretexto de zelar pela preservação da empresa, tem-se criado o paradoxo de se regularizar a satisfação dos credores privados com o alijamento da União de qualquer pagamento, já que não participa do plano de recuperação e fica impossibilitada de excutir bens, mesmo sem o recebimento, ainda que de modo parcelado, dos seus créditos fiscais.

Todavia, não se pode admitir, no processo de recuperação judicial, o completo esvaziamento normativo das regras e princípios relacionados ao crédito público, em privilégio único do crédito privado.

O princípio da preservação da empresa, explícito no artigo 47 da Lei 11.101/2005, deve pressupor uma preservação lícita, isto é, em consonância com a sua função social e que tem sua legitimidade afirmada mediante o cumprimento de deveres, dentre eles o dever fundamental de pagar impostos.

O princípio contido no art. 47 da Lei nº 11.101/2005 tem a mesma densidade normativa da regra prevista no art. 57 da mesma lei, sendo certo que, além de igual hierarquia, os comandos legais em questão são complementares e indissociáveis, porquanto ainda que visando resguardar valores jurídicos diversos, concorrem ambos para a harmonia e lógica interna do sistema traçado para as recuperações judiciais.

Diante do exposto, em recente decisão Processo Nº 047/1.15.0003137-3, da Comarca de Estrela, a empresa recuperanda, ao ter seu pedido de recuperação judicial aceito pela Justiça, estará, automaticamente, dispensada de apresentar qualquer certidão negativa para a manutenção de sua atividade, na forma do artigo 52, inciso II, da Lei 11.101/05. Ou seja, o dispositivo, ao não discriminar quais as certidões, dá margem à interpretação teleológica de que a dispensa se estende a toda e qualquer certidão exigida.

Com esse entendimento, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou recurso interposto pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica contra decisão que dispensou uma empresa em recuperação de apresentar certidões negativas para poder ingressar no mercado livre de comercialização de energia elétrica. Com a decisão, a empresa pode, inclusive, contratar com o poder público.

No agravo de instrumento, a CCEE — que promove leilões de compra e venda de energia — disse que tem o direito de exigir da Conpasul Construção e Serviços Ltda as referidas certidões, reclamando que não foi intimada a se manifestar no processo. Afirmou que a decisão do juízo de origem cerceou seu direito de defesa e violou o princípio da liberdade de contratação, assim como a de associação.

O relator do recurso, desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, explicou que a Lei de Recuperação Judicial tem como princípio a preservação da empresa. Assim, seu objetivo primordial é viabilizar a superação da situação de crise financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.

“Assim, as deliberações nos processos de recuperação judicial devem estar alinhadas com o princípio da preservação da empresa, visando não prejudicar o soerguimento econômico-financeiro da recuperanda, em benefício da coletividade”, complementou no acórdão.

Norma inferior

Além de citar as disposições do artigo 52, inciso II, da Lei 11.101/05, que dispensa expressamente a apresentação de certidões, o relator observou que a regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é de hierarquia inferior ao texto legal de natureza especial, se subordinando, pois, a este.

“Assim, não há que se falar em se exigir a apresentação das certidões negativas com base em Portarias do órgão regulador quando estas se contrapõem à lei de recuperação em exame. Dessa forma, deve ser negado provimento ao Agravo de Instrumento, mantendo-se a decisão recorrida em todos os provimentos e razões de decidir”, fulminou.

Contudo, diante do fora apresentado, como advogado atuante no Direito Empresarial e Direito Tributário, compreendo, que o dispositivo supracitado é cristalino ao afirmar que a criação de um parcelamento para as empresas em recuperação judicial é uma mera faculdade das Fazendas Públicas. Não se podendo neste sentido, inferir que a exigência de apresentação de CND está condicionada à edição desta lei de parcelamento especial.

A grande questão que se coloca, inclusive em sede doutrinária, é a crítica à lei por ter criado a exigência de apresentação de CND para que as empresas em dificuldades financeiras obtenham a recuperação judicial. Tornou-se lugar comum repetir que a exigência contida no art. 57 da Lei de Falências impede e frustra a recuperação judicial e, pois, a preservação da atividade empresarial.

Como bem sabemos a lei, a partir do momento que entra em vigor, é obrigatória para todos os seus destinatários, não podendo o juiz negar-se a aplicá-la ao caso sub judice.

A crítica à solução legal não autoriza a criação de teorias das mais diversas para justificar o afastamento de um dispositivo claro e expresso. Se a redação atual não for a mais indicada para a preservação da empresa, faça-se novo debate legislativo para a alteração da lei.

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